Prefácio

Um olhar que rói os ossos e ajoelha a língua


A Fernanda de Aragão é sintagma, não solidão. Traz em si a doença crônica dos sujeitos. Ora mansa, ora não, ela conjuga o verbo em todos os pronomes e solta a mão no teclado para descer a língua. Combinada.

“Tá, vocês venceram, eu me rendo!” Foi no entremeio do jogo da vida que ela resolveu se publicar. E fazer mais disso e daquilo, e também. Ela, a pessoa, das escolhas, “as minhas escolhas. Eu que isso, eu que aquilo”. Registra.

As palavras, no texto da Fernanda, rebolam. - Ah, sim. Interface, a medida mais exata do entre. Nem mais e nem menos. Do tamanho. E, trincolejam. Todo mundo quer é estar dentro mesmo estando fora. O que me faz buraco e o que me lota, o que me deixa furo. Nós isto, nós aquilo, nós para todo lado. E vai e vem. Ela pede desculpa à certeza das palavras, só quer é prosear.

Reflexiva, desnuda-se. Os pensamentos feitos no esforço de se revelar existir uma inocência que se fez madura antes que ela se desse por conta. De uma forma atemporal, fazem da letra subjetividade, vaticina. Há um tu que está no limite. Há um quê que grita, apita, duvida. A língua agoniza.

Criativa, ela se institucionaliza em texto “na abertura de meus capitais EU S/A jurei transparência, honestidade e lealdade”. E se impacienta logo para trico-tricos e lero-leros cheios de estrelinhas e sóiszinhos. Sua escrita é firme. Ágil.

Nela vêm Zé Damasco, Feliciana, Maria Olívia, a bi Francisca e por que não um eu ou um você, no andamento e no compasso? Não se pode negar, há quem faça da narrativa do outro seu próprio sonho de liberdade. O texto espelha.

A calma aparente lhe maquia a face, disfarça o barulho por metro quadrado que ela, em ficção, teme. E, no real a irrita. É tão presente que Fernanda em recortes poetiza: “Há sempre ruídos desconexos pelo meu corpo, os sons da cidade que ficam perambulando, perambulando, perambulando. [...] Deveria existir um eu em algum lugar da cidade. Então quando eu quis me encontrar, me encontrei urbe. [...] Faz tempo que eu não me pertenço, olhos no horizonte, edifícios abandonados”. A crônica a encontra.

É para além da nova tendência “mulheres seguras, homens assustados” que Fernanda escreve. Ela inventa, pois gente de pacote incomoda e sua sina é encontrar gente com gente de verdade e não com imitação. Ainda que no papel. O suporte de você num outro. Língua Crônica. São instantes feitos para rever um quem sou. Sem aspas se constrói a autora. E eu, plagiando, a leio. Afinal, nascemos, vivemos e morremos metáforas lidas por um outro em quem nos reconhecemos (ou não). Em cem páginas ou mais, não menos. Ou foi o “meu” olhar Maputo?

Solange Pereira Pinto

Língua Crônica

Língua Crônica
Autoria: Fernanda de Aragão
Projeto Editorial e Gráfico: Fernanda de Aragão
Consultoria Editorial: Solange Pereira Pinto
Revisão de Texto: Josefina Neves Mello
Editoração Eletrônica: Marina Avila
Capa: Rodolpho Ramirez e Kátya Teixeira
Ilustrações: JAL